Uma Noite em Tuktoyaktuk
Jornal O globo 16/2/2007 e Globo on line
“A benção Severino Araújo, a benção fanfarras romenas, a benção Ray Coniff, a benção Rei Roberto, a benção sagrado sol que queima sem arder do paraíso caribenho, a benção Shaft e todos os santos do blaxploitation, a benção chás dançantes, a benção órgão espetacular de Ed Lincoln, a benção Henri Mancini que finge ser chique sendo, a benção Erlon Chaves e as gostosas da pornochanchada, a benção Silvio Santos e suas colegas de trabalho. A benção porque todos são padroeiros de Tuktoyaktuk.
No dicionário de Tuktoyaktuk, a palavra “paródia” não existe. Em compensação, há 658 sinônimos para “humor”. Na terra de Tuktoyaktuk tem palmeiras onde cantam metais envenenados. O povo de Tuktoyaktuk é afeito a divertidas presepadas. Bateristas lançam suas baquetas para os percursionistas durante uma pausa da música, trompetistas e saxofonistas tocam com uma mão só, tecladistas solam de costas para o teclado, o show acaba no meio de uma música. Tudo em nome de algo que eles chamam de “tgrfyüil”, a forma mais elevada de humor, um termo sem tradução que engloba humor, arte, transcendência. E picles.
Sorriso no rosto, alegria, alegria, ritmo, ritmo de festa: Brasov.
Sete sujeitos de terno tocando... bem, música de baile seria uma boa definição.
- São coisas que estão longe no tempo ou no espaço - define Felipe Rocha, trompete, eventual voz e, vá lá, band leader do Brasov. - Na verdade, procuramos os sons das várias Américas Latinas do mundo.
Então, hola, bienvenido a Tuktoyaktuk, cidade fictícia [apesar de existir em algum lugar do Canadá - parece confuso?] que o Brasov leva a cada lugar onde apresenta o show de seu CD de estréia, "Uma noite em Tuktoyaktuk" (Dubas / Universal).
Tem sido assim desde que a banda surgiu, em 1998. Na época, chamaram atenção por seus uniformes de porteiro, música alegre e postura performática - cantavam o tema de "Chips" sentados em bicicletas ergométricas, por exemplo. Depois de quatro anos parados, voltaram mais contidos, mas ainda se permitem coreografias sem muita sincronia e uma inabalável (e engraçadíssima) expressão séria no rosto.
O show do Brasov também é basicamente instrumental. Entre as cantadas, duas do repertório do Rei ("O show já terminou" e "Falando sério") e uma versão disco de "Masculino e feminino", de Pepeu Gomes.
- A música brega é libertadora - acredita Felipe. - Mas não fazemos piada quando tocamos Roberto ou Pepeu. Se a platéia acha graça, é por conta dela.
Ou seja: é engraçado sim, mas sem apelo de riso fácil. Há espaço até para implicações políticas.
- De certa forma a roupa de porteiro tinha algo de posicionamento político - explica o músico. - E somos políticos, sobretudo, ao propormos uma nova escuta, um novo olhar sobre um som que normalmente é visto de um modo predefinido. Mas fazemos música principalmente para nos divertirmos.
Diversão e política. Parece confuso? Não deveria.”
Por Leonardo Lichote
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